Por Igor Olandim.
Isso deveria ocorrer porque o credor deve exigir um prêmio de risco temporal para compensar a maior incerteza sobre inflação, flutuações da taxa Selic e eventos macroeconômicos em um horizonte mais distante.
Mas no Brasil, essa lógica é invertida no sistema de crédito ao consumidor: a taxa de juros de qualquer empréstimo de curto prazo sem garantia (como o Rotativo ou o Cheque Especial) é drasticamente mais alta do que a taxa para empréstimos de longo prazo (com garantia, como o Crédito Imobiliário).
Essa inversão é um paradoxo estrutural impulsionado não pelo fator tempo, mas sim pelo risco de crédito e pela estrutura do sistema financeiro.
RAZÕES PARA A INVERSÃO DA LÓGICA DO CRÉDITO
A diferença colossal entre as taxas de curto e longo prazo reside quase inteiramente no Spread Bancário (a margem adicionada ao Custo de Captação/Selic).
Fatores de Risco:
Calote: Linhas de crédito de curto prazo sem garantia possuem inadimplência extremamente alta no Brasil. O banco precisa embutir nas taxas uma provisão gigantesca para cobrir o rombo causado pelos clientes que não pagam. A título de comparação, a inadimplência em linhas de alto risco de curto prazo no Brasil pode chegar a 25% (ou mais), enquanto em países como os EUA não ultrapassam 5%.
Cobrança Lenta e Cara: O processo de recuperação de dívidas no Brasil é lento, custoso e altamente burocrático, mesmo na retomada de garantias. Essa morosidade eleva a perda esperada pelo banco, inflando o Spread de Risco. Em contraste, nos EUA, pendências financeiras e a execução de garantias são resolvidas de forma ágil, frequentemente em poucas semanas ou meses, enquanto no Brasil os processos se arrastam por anos.
Concentração Bancária: O setor financeiro brasileiro é altamente concentrado, com poucos grandes bancos dominando o mercado. No Brasil 6 bancos concentram 80% de todo crédito concedido no país, já nos EUA, existem milhares de instituições financeiras disputando a concessão de crédito aos clientes.
O RISCO DO CURTO PRAZO É ALTÍSSIMO
O que torna o cenário brasileiro contraintuitivo é que o Risco de Crédito no Curto Prazo é tão alto e oneroso, agravado pela ineficiência da cobrança e pela concentração bancária, que ultrapassa o Prêmio de Risco Temporal no Longo Prazo.
Em outras palavras: para um banco no Brasil, o risco de perder um empréstimo não garantido em 30 dias é precificado como mais caro e perigoso do que o risco de um financiamento de 30 anos com um imóvel como garantia.
O resultado é que o Brasil possui um dos créditos de curto prazo mais caros do mundo, invertendo o padrão esperado onde a taxa de juros de longo prazo é maior que a taxa de juros de curto prazo.
COMO RESOLVER ISTO?
Essa é a pergunta de um bilhão de dólares!
Não há uma solução única e rápida, pois o problema é estrutural, envolvendo o sistema financeiro, o sistema legal e a cultura de crédito do país.
Resolver o paradoxo do crédito no Brasil exige uma abordagem multifacetada, focada em diminuir o Spread Bancário e aumentar a eficiência do mercado. As soluções precisam atuar diretamente sobre alguns fatores:
Aumentar a Concorrência bancária: Incentivar a entrada e o crescimento de novos players, como bancos digitais, fintechs e cooperativas de crédito, que operam com custos menores e estão dispostos a aceitar margens de lucro menores para ganhar mercado.
Fomentar o Open Finance: A implementação plena do Open Finance aumenta a portabilidade e a concorrência, pois permite que as instituições acessem o histórico financeiro completo do cliente para oferecer taxas mais personalizadas e competitivas, reduzindo a “vantagem da informação” dos grandes bancos.
Aprimoramento do Cadastro Positivo: Um sistema de crédito mais robusto e eficaz que avalie melhor o risco individual do cliente (como o Credit Score nos EUA). Isso permite que os bons pagadores acessem taxas muito mais baixas, separando-os dos maus pagadores.
Fomento ao Crédito Consignado: Apesar de ser uma solução eficaz mas não universal, pois não abrange toda a população, esta modalidade isola o empréstimo do risco de calote e da ineficiência judicial, oferecendo crédito barato para quem tem garantia de renda. (mas mesmo assim é caro!)
Reforma no Sistema Judicial de Cobrança: Simplificar e agilizar os processos jurídicos para a execução de garantias e a cobrança de dívidas. Se o banco sabe que pode reaver o valor emprestado de forma rápida e barata, o Spread de Risco que ele precisa cobrar diminui drasticamente.
Novas Regras de Crédito: Intervenções regulatórias pontuais, como a limitação das taxas do rotativo do cartão de crédito ou a proibição do crédito rotativo prolongado, forçam os bancos a realocar o crédito para linhas mais baratas e sustentáveis.
Redução do Compulsório Bancário: O Banco Central pode reduzir a exigência de depósitos compulsórios (o dinheiro que os bancos são obrigados a deixar parados no BC), liberando mais capital para ser emprestado e, em tese, barateando o custo de captação.
Em resumo, a solução para o dilema do crédito no Brasil passa por injetar competição no sistema e reparar as falhas estruturais que protegem o credor de forma ineficiente (sistema judicial lento) e que protegem os grandes bancos de forma excessiva (concentração de mercado).
Ou seja, eu, ao menos, vou morrer e não vou ver esse paradoxo ser resolvido no Brasil….





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