Por Igor Olandim.
A crise de liquidez que colocou a Ambipar à beira da recuperação judicial no segundo semestre de 2025 foi desencadeada por uma perigosa combinação de alta alavancagem em moeda estrangeira e o colapso de uma estratégia de proteção cambial. O problema central reside em sua estrutura de dívida, majoritariamente atrelada ao dólar, e nos mecanismos financeiros usados para tentar mitigar esse risco.
A Estrutura de Dívida em Dólar e os Green Bonds
A Ambipar, que se notabilizou no mercado como uma empresa de soluções ambientais com forte apelo ESG (Ambiental, Social e Governança), realizou duas grandes emissões de títulos de dívida (“Green Bonds“) no mercado internacional:
- Fevereiro de 2024: Emissão de US$ 750 milhões, com vencimento em 6 de fevereiro de 2031.
- Fevereiro de 2025: Emissão de US$ 400 milhões, com vencimento em 5 de fevereiro de 2033.
Como a maior parte da receita do grupo é gerada em Reais (R$), essas emissões criaram uma enorme exposição ao risco cambial. Uma alta do Dólar eleva, automaticamente, o custo da dívida da Ambipar em seu balanço, quando convertida para a moeda nacional.
O “Seguro” que Falhou: A Estratégia de Derivativos
Para se proteger do risco cambial, a Ambipar contratou uma operação de derivativos – um swap cambial – com o objetivo de funcionar como um hedge. O princípio era simples: o contrato deveria gerar um ganho financeiro em Dólar para compensar o aumento do custo da dívida em Reais.
No entanto, o que era para ser um seguro se tornou um catalisador da crise. O derivativo contratado com o Deutsche Bank não se comportou como um hedge simples e seguro, mas sim como uma aposta complexa e altamente alavancada:
- Complexidade e Alavancagem: Há fortes indícios de que a exposição da Ambipar ao movimento do câmbio na operação de derivativos era muito maior do que o valor da dívida protegida. Isso significa que mesmo um movimento cambial desfavorável de pequena magnitude foi amplificado pela alavancagem, gerando um prejuízo bilionário.
- Derivativo de Intervalo (Range): Especula-se que o contrato era um instrumento de range, apostando que o dólar permaneceria dentro de um intervalo pré-determinado (ex: R$ 4,80 a R$ 5,10). Uma oscilação brusca do câmbio para fora dessa faixa de preço – subindo ou caindo rapidamente – quebrou as condições da aposta, resultando em uma perda inesperada e catastrófica.
O Gatilho da Crise: A Queda dos Bonds e o Margin Call
A crise se intensificou após a saída abrupta do ex-CFO, João Arruda, e a divulgação de rumores sobre perdas bilionárias, gerando um intenso “tráfego de informações” que o mercado interpretou como um sinal de alerta.
- Venda Massiva de Títulos: Investidores, apreensivos com a saúde financeira da empresa e temendo o prejuízo do derivativo, começaram a vender massivamente os Green Bonds.
- Perda de Valor (Mark-to-Market): O preço dos títulos despencou (caindo para menos de 20% do valor de face em alguns momentos), refletindo a perda de confiança e a marcação a mercado.
- Acionamento da Cobrança: A queda no preço dos Bonds ativou uma cláusula do contrato com o Deutsche Bank, exigindo um aporte adicional de garantia (margin call) de aproximadamente US$ 50 milhões.
O Botão Vermelho: O Risco do Cross-Default
A recusa ou a incapacidade da Ambipar de depositar essa garantia acionaria imediatamente o vencimento antecipado de US$ 550 milhões em dívidas com o banco alemão. Este, por sua vez, seria o gatilho para a cláusula mais temida do mercado financeiro: o Vencimento Cruzado (Cross-Default).
O Cross-Default determina que, se uma empresa falhar em cumprir suas obrigações ou tiver uma dívida vencida antecipadamente com qualquer credor, todas as outras dívidas (incluindo os Green Bonds e outros empréstimos) vencem automaticamente no mesmo momento.
Portanto, a inadimplência com o Deutsche Bank apertaria o “botão vermelho” que faria com que o passivo total de mais de R$ 10 bilhões vencesse de uma só vez, levando a Ambipar à insolvência imediata.
A Medida de Sobrevivência: A Tutela Cautelar
Para evitar esse colapso em cascata, a Ambipar agiu rapidamente, protocolando um pedido de tutela cautelar na Justiça do Rio de Janeiro. A medida, uma “blindagem” temporária, suspendeu o pagamento de dívidas e execuções por 30 dias (prorrogáveis por mais 30), impedindo o acionamento do Cross-Default e ganhando tempo vital para a renegociação de suas obrigações financeiras, mas levantando fortes questionamentos sobre a governança e a solidez da empresa no mercado.
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